A Lenda do Urubú
A matilha dos “Arautos da Alvorada” encontrava-se no centro do Caern do Ninho do Condor, ouvindo o Grande-Ancião Unay “Emissário-do-Senhor-da-Manhã” agradecendo-os pela ajuda prestada na defesa do Caern recém atacado, ainda que estes só tivessem chegado no final da batalha. Irritada com suas perdas, e com a pouca chance que os Arautos tiveram para ajudar, a Fúria Negra zombeteiramente pergunta “Só isso que o Forte do Samauma tem para oferecer?”, referindo-se aos Arautos. Unay repreende-a pela forma nada cortes.
Uruchillai
“Caça-Histórias-Ocultas” percebendo a injustiça ofensiva do comentário e
observando que no momento os ânimos estavam bastante decaídos, pede a palavra,
para poder honrar a memória de Rupa “Tradição-Sombria” que há pouco caíra em
Batalha. “Em honra de um Grande e Nobre lutador de Gaia”, disse Uruchillai “e
como parte do agradecimento pela ajuda prestada e boa vontade dos Arautos da
Alvorada, permitam-me contar uma história, que me foi contada por Rupa pouco
antes de sua partida”.
“Ela começa há muito, muito tempo. Há tanto
tempo que somente a boa memória dos dançarinos da lua poderia lembrar. Trata-se
de quando no seio da criação de Viracocha, todas as criaturas caminhavam
felizes sob a permanente presença de Inti, que a tudo e a todos iluminava. Não
havia injustiça, nem desigualdade; nem guerra, nem discórdia. Não havia
montanhas e toda a terra estava num mesmo nível. Inti era adorado em todo seu
resplendor. Das criaturas existentes, os pássaros eram os mais admiráveis, pois
eles eram os que podiam ficar mais próximos de Inti.
Da
terra, e da água, não havia criatura que pudesse chegar tão próximo do Sol
quanto às aves. E das aves, havia uma que voava ainda mais alto que todas as
outras e estava mais próxima ainda. Era o Condor. Todos paravam para admirar
seu voo lá no alto. Sua envergadura assombrava e encantava ao mesmo tempo. Mas
então veio a escuridão. Inti foi e não mais voltou. E todas as criaturas se
horrorizaram. Doenças começaram a surgir. Tragédias, destruição, caos. Algo
precisava ser feito. Mas os seres da terra e os da água nada podiam fazer, pois
estavam muito distantes dos céus.
Só
quem poderia fazer alguma coisa eram os pássaros. Mas estes se recusaram.
Temeram. Alegaram que se fossem atrás do Sol, seriam queimados até a morte. O tempo
passava e ninguém ousava procurá-lo. Os outros animais começaram a cobrar dos
pássaros uma atitude, mas nenhum deles fez nada. Exceto por um. Aquele que
voava mais alto entristeceu-se da situação do mundo, condoeu-se de todo o
sofrimento que agora as criaturas passavam na escuridão. Alçou voo, voou mais
alto do que jamais voara antes e depois de muito procurar, finalmente o Condor
achou Inti. Quanto mais se aproximava, mais quente ficava. Seu corpo rompeu em
chamas, a dor era excruciante. Conversou com Inti e caiu.
Ao
acordar, viu-se num cemitério, onde seu corpo fora jogado junto à carniça de
animais mortos. Olhou para o céu, onde o Sol voltara a brilhar novamente, seu
coração alegrou-se. Correu aos outros animais, para comemorar as boas-novas e
receber as congratulações por seu grande feito. Mas quando se aproximou desses,
todos escarneceram de sua nova aparência: com a penugem enegrecida pelo fogo, o
Condor nada tinha de sua antiga beleza. Zombando, diziam que aquele pássaro
feioso não era um Condor, mas sim um Urubu (‘Aquele que fede’).

Inti
perguntou ‘Diga-me, o que lhe levou a me procurar a primeira vez? Você foi
movido pela ambição em buscar reconhecimento, glória, louvor?’. Condor
horrorizou-se com a idéia e rapidamente respondeu ‘Não! Não! Foi por ver todos
sofrerem, dispus-me a sacrificar-me em prol do retorno de seu brilho, para o
bem de todos!’; Inti replicou ‘E o que lhe levou a me procurar a segunda vez?’.
O Condor simplesmente baixou a cabeça, agora engelhada, e entendeu. Agora ele
era Urubu. Voltou ao cemitério para cumprir sua missão. Antes de se afastar,
Inti disse-lhe que aqueles dignos dentre eles, poderiam voltar como Condor.”
Uruchillai
olhou para todos e por fim para os Arautos. “Então, meus amigos, sintam-se
honrados por serem abençoados pelo Grande Urubu, pois este é aquele que cumpre
a missão que ninguém mais é capaz de cumprir, e o fazem sem esperar
reconhecimento, apenas por saberem que assim deve ser. Louvada seja a matilha
dos Arautos da Alvorada, abençoados pelo Urubu!”.
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